quinta-feira, 9 de novembro de 2023

CAROL

 Você vai me dizer
que eu não sei cantar.
Talvez tudo tenha 
que um dia se mostrar.
Tua vida se encontrou
com a minha, em plena 
multidão, você ia ser só minha,
encontro de paixão.

Mas o destino 
é duro com a gente.
E tive que ir embora com
você na minha mente.
Para agora um pouquinho,
devagarinho, você e eu,
nós dois sozinhos.

O céu a nos guiar, 
os sonhos sonhando.
Seus olhos a me mostrar 
o caminho, guiando.
Carol!

BASEADO NA TERRA DO NUNCA

 Minha sininho
é o mosquito 
hipnotizado pela
chama do
isqueiro.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

 INTERPRETAÇÃO DA PERFORMANCE BATEDOR DE BOLSAS DE DALTON PAULA


                                       (Retirado do site do artista: https://daltonpaula.com/)




A imagem que escolhi para fazer minha interpretação foi um frame da performance “O Batedor de Bolsas” do artista visual Dalton Paula. A obra que originalmente é uma performance gravada de 1 '30'', onde o artista aparece com um porrete de madeira nas mãos e olhos vendados, enquanto tenta acertar uma bolsa pendurada no centro do vídeo.

Lembrando brincadeiras como a da Pinha, onde o aniversariante tenta acertar um objeto cheio de doces com um porrete, Dalton traz uma outra lembrança imagética, a do racismo. Porém, esta atividade se presta a interpretar somente a imagem escolhida acima, imagem essa que permanece como capa que direciona ao trabalho em vídeo.

A imagem acima, traz um homem negro de costa, em um movimento com um porrete de madeira nas mãos, em oposição, do outro lado da imagem, podemos ver uma bolsa, um modelo destinado ao público feminino, num movimento de distanciamento da pessoa do artista. O cenário é neutro, o que permite o reconhecimento e a observação das duas figuras.

A primeira observação, a imagem nos leva muito a imaginar como uma brincadeira a ação do artista com a bolsa, mas traz um simbolismo ainda maior dos distanciamentos dessa personagem e o objeto bolsa. O Racismo estrutural presente no Brasil demonstra esse espaço e distanciamento que Dalton apresenta nesta imagem. Um distanciamento das condições primárias e ainda de  pertencimento a um grupo. O espaço mostrado, não fala só de quão foi difícil o artista acertá-la durante a performance, mas do distanciamento que todo o povo negro sofre para encontrar as melhores condições de sobrevivência e vida. 

A bolsa parece se distanciar do corpo negro, como uma negação desse status adquirido pela posse da Bolsa, ela como simbolo representante de uma casta, parece não pertencecer ao caminho do homem negro. A Bolsa se distancia de seu corpo, como as pessoas que o ultrapassam por ele nas calçadas e o olham diferente ou escondem suas bolsas em um movimento de medo. 

A personagem se encontra cega, não pode interpretar ou saber onde está, apenas tenta levianamente, intensamente, incessantemente acertá-la, esperando também que essa sorte o encontre também. Lembrando das dificuldades que as pessoas pretas tendem a passar, para tentarem se manter vivos através da sobrevivência. E mostra que cada vez mais, objetos como bolsas e utensílios criados para dividir pelo consumo, se tornam cada vez mais importantes do que a própria vida humana.  

O Batedor de Bolsas, poderia ser muito bem uma Ode aos trombadinhas que sobrevivem nas ruas e vivem de pequenos furtos de bolsas e carteiras. Mas a performance traz uma Ode de até quando trataremos este tipo de situação ao viés de quem teve a perda material, perda essa que nos faz esquecer até de nossos maiores problemas, a desigualdade social criada pelo acúmulo de riquezas.


 


Argyreia: O Homem-Gato e o problema das máscaras.



O Fantástico se define como uma percepção particular de acontecimentos estranhos”                              (TODOROV, 1992: 100)


O Dicionário de Oxford em sua versão eletrônica define fantástico da seguinte forma, “1. aquilo que só existe na imaginação, na fantasia; 2. caráter caprichoso, extravagante; 3. o fora do comum; extraordinário, prodigioso; 4. o que não tem nenhuma veracidade; falso, inventado” (OXFORD, Dicionário eletrônico da língua portuguesa, 2022). Já Tzetan Todorov, em Introdução à literatura fantástica (1992), define o Fantástico como sendo “a hesitação experimentada por um ser que só conhece as leis naturais, face a um acontecimento aparentemente sobrenatural” (TODOROV, 1992: 31). 

Refletindo sobre todas as categorias estudadas e conhecendo-as, percebi que suas variações com o tempo me interessavam muito além das ideias de Kant de criar um estatuto para o que era belo. O belo, o feio e o sublime já haviam me possuído e sido condensados e diante de um século digital mudado toda minha estética. Quando soube das teorias de Todorov e as concepções do que seria fantástico, abre em mim um espaço para imaginar, refletir e recriar um ambiente onde o colonialismo ainda existente não perpetue sobre nossa educação, onde a linha do tempo de estudos nos leve sempre a um passado criado pelo colonizador. Um sonho fantástico como o dos surrealistas, que sonhavam em não olharem para a realidade de um mundo em guerra. 

Mesmo não aceitando o título, Frida Kahlo um nome muito lembrado quando se fala de surrealistas, buscava nas imagens fantásticas a representação para sua própria realidade, seus quadros dotados de grande números de autorretratos, trazia uma simbologia carregada que faziam parte do cotidiano de Frida, aí sua negação quanto a crítica de que pintava sonhos. Como o caso da pintura “Hospital Henry Ford” de 1932, onde Frida pinta sobre o aborto de seu segundo filho, onde se retrata de forma vulnerável ainda com a barriga inchada da gravidez e sangrando, enquanto por fitas vermelhas seguram símbolos de outras agruras que lhe não permitiram realizar o desejo de ser mãe. 

Título: Hospital Henry Ford, Frida Kahlo, 1932


Tomando forma sobre as ideias apresentadas e as referências buscadas, comecei a preencher com algum trabalho as linhas nas quais Todorov, classifica através de três condições obrigatórias para um narrativa se tornar fantástica. 

“Primeiro, é preciso que o texto obrigue ao leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, esta hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem; desta forma o papel do leitor é, por assim dizer, confiado a uma personagem e ao mesmo tempo a hesitação encontra-se representada, torna-se um dos temas da obra; no caso de uma leitura ingênua, o leitor real se identifica com a personagem. Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação “poética”. Estas três condições não têm valor igual. A primeira e a terceira constituem verdadeiramente o gênero; a segunda pode não ser satisfeita.” (TODOROV, 1992: 39).


Passados os testes e as ideias que me perpassa, busquei em um gosto particular por quadrinho de super-heróis uma inspiração para esse fantástico. Levando em consideração que os conceitos do que é fantástico mudou após os estudos de Todorov, os quadrinhos são uma prova da primeira característica que Todorov  menciona como obrigatória para a criação da narrativa fantástica e como avalio diante do quadro de Frida, quando a mesma se põe como protagonista de sua história e nos aproxima da hesitação. Momento perene para Todorov, já que este existe apenas no momento da dúvida diante do natural e do sobrenatural. Vejamos a obra:


Argyreia: O Homem-Gato e o problema das máscaras, Rafael Vaz, 2022


Nesta obra, temos em um fundo verde liso, a semente de Argyreia Nervosa, conhecida por suas propriedades alucinógenas, é o plano de fundo para uma viagem interior e fantástica, seja de autoconhecimento, ou de criações fantásticas criadas pelas experiências de vida. E a história que nos é apresentada pela distribuição de elementos, nos conta sobre o Homem-Gato, um auto retrato poético, sobre a personalidade e a influência. Ao me despir no desenho proponho uma aproximação com que vê, em busca de seu sentimento mais íntimo, escondido muitas vezes sobre as  máscaras, personagens cotidianos que criamos para o convívio com os outros. Me representar nu é desafio, o sexo a mostra concebe outras avaliações a cerca de sua serventia no trabalho, assim como a escolha pelo pênis ereto em exposição ao assunto. O herói não tem vida particular, suas relações são afetadas pelo seu compromisso com sua função com a sociedade. E se distancia cada vez mais.   A grande dúvida do herói é saber como será quando não desejar usar a máscara, quando lhe deixarem se aquilo que realmente é. Ainda estão presentes na composição, a máscara, que imita o animal escolhido como influência. Homem-Gato, vai além da explicação que diz ser o homem belo, bem apessoado, mas da característica felina de independência, ariscos e muitas vezes solitária. O Homem-Gato, perambula furtivo pelas ruas da cidades, recebendo e dando carinho, passando sem poder ficar. Escalando prédios e deixando sua marca, suas garras são as armas letais que carregam. Mas o Homem- Gato é vulnerável, e ele não mostra, afinal sua virilidade heróica não deve ser mencionada, e menos ainda intencionada. A dúvida leva a morte, a corda em nó de forca nos evidencia isso. O Homem-Gato passa dias a encará-la, tirando da presença da morte provocada por si mesmo, as forças para continuar. 

O próprio homem por trás da máscara é o seu arqui vilão, aquele capaz de acabar com seus sonhos e desejos, o ser que impulsiona seu falo como forma de poder e presença, domínio e força. Só a mente racional com que vê o mundo é capaz de mantê-lo lúcido diante da ideia de sair fantasiado dessa forma pelos becos da cidade.





 

TEXTO SOBRE A OBRA CASA-PELE DE LUCÉLIA MACIEL

A instalação de Lucélia Maciel, traz em sua visualidade uma variedade de garrafas que trazem uma dinâmica ao olhar do espectador, que se entrega à demora para poder ver o que cada uma pode trazer. O couro trabalhado, reveste as garrafas dando a todas a aparência de lamparina, mas aqui vista como casa. O couro traz as costuras à mostra como uma cicatriz. Lembrança física das memórias. A Casa Pele. Em alguns, é possível ver inscritos feitos no couro, pelo interior da garrafa. Memórias Escritas. Algumas garrafas trazem em seu interior, punhados de terra que servem de base para os cordões umbilicais que se apresentam como destaque. Memórias Nascidas.

Vamos aproximando-nos desses objetos, e de repente, somos fisgados por um mundo. Fazendo do Alívio. No meio do Sertão Baiano, onde o cheiro de querosene invade-nos os pulmões e a luz das lamparinas, iluminando as histórias, do tempo que as coisas trazem em suas aparências e significados. 

As garrafas, este objeto que a humanidade popularizou por poder carregar os mais diversos líquidos. Sejam para nos hidratarmos ou nos aquecermos, são tragos por Lucélia, como recipientes para as memórias, as ancestralidades e seu próprio corpo. Os cordões umbilicais encontrados dentro do recipiente postos sobre a terra, tragos à luz, remete-nos à lembrança de uma nova vida que é iniciada, mas que traz na representação a lembrança de uma ancestralidade. Segundo a artista, é uma tradição em sua família, o enterro dos cordões umbilicais dos recém-nascidos, inclusive o seu. Mas em sua atitude, a artista troca os gestos de enterrar, que em simbolismo nos remete ao elo que é criado entre o recém-nascido e a terra que o irá criar, e une dois em um recipiente onde podem ser constantemente visitados e revistos. 

A terra da Fazenda do Alívio, que cobre o cordão de Lucélia Maciel, hoje levanta as gerações posteriores, como potência e prova da vitória de seus antepassados, o seu trabalho todo permeado por essa lembrança que a mesma carrega desde seu nascimento e posteriormente com mais intensidade depois de sua mudança.

 As lembranças daqueles que deixam suas terras natais para uma nova experiência em um outro lugar. Carregam consigo sempre o pedaço mais especial dessas histórias vividas e suas palavras sempre serão em nome de seus ancestrais. Casa Pele, nos mostra principalmente o corpo da própria artista que se multiplica, mas em seu interior carrega a história desse lugar, que em diversos pedaços, se encontram em cada um de nós, que um dia nos sentamos a beira de uma lamparina e com apenas os barulhos que  própria natureza produz, ouvíamos a história dos mais velhos.

Histórias essas que se encontram perdidas ou abaladas por uma oralidade perdida, pois não se conversa mais como era quando só havia lamparinas, hoje nossos olhos ocupam outros espaços, enquanto nossos ouvidos tentam se concentrar em algo que alguém nos diz do nosso lado. E deve ser por isso, que alguns mais velhos passaram a guarda as lembranças, sejam as enterrando ou as colocando dentro de garrafas de vidros, nos lembrando que a memória é fator essencial e fundamental para nossa vida. 

A memória que é retomada como forma de sobrevivência e de pertencimento, guardado de forma que seja sempre retomada com facilidade, essa lembrança dificilmente será esquecida, por causa da presença material, símbolos de outras existências.  



 Na busca constante de se entender e procurar entender o mundo onde vive, é que Rafael Vaz começou suas primeiras experimentações com as palavras. Paraense da cidade de Altamira, sua alfabetização começou autodidata andando com sua mãe pelo Centro da pequena cidade e perguntando o que eram as placas e fachadas das lojas com aquela diversidade de cores e fontes. Daí pra frente, sua vida foi apenas leituras. Encontrou nas letras as explicações e significado para quase tudo que provocava, e assim veio a vontade de manter-se em curso com a formação e o conhecimento. 

Ainda jovem, mudou-se para Goiânia para cursar faculdade. Ainda sem muitos amigos, começou a registrar suas experiências em um caderno, como um diário. Entre chateações por estar distante de Altamira, e as novas relações encontradas em Goiânia, surgiram os primeiros poemas deste poeta, que no início falava de suas saudades da terra natal, assim como de todo o deslocamento de ser estrangeiro à nova cidade. Que não só era estranho por ser capital, como tinha uma cultura totalmente longe daquilo que trazia consigo na bagagem. 

Para saber o que queria e escreveria, passou por muitas experiências e como um novo mundo, desbravou e conheceu as ruas, becos e lugares da cidade, criou um relacionamento com as paredes e os pixos falavam consigo. Como um retirante, sobreviveu na capital através de empregos formais, de cargas e serviços gerais. Morou na rua onde encontrou sua verdadeira poesia e o que estava disposto a contar. Transformou-se então no poeta, e passou a registrar nas paredes e folhas seus poemas e sua presença no campo vivo que é a cidade. Foi ao submundo, e conheceu os ilícitos e proibidos, drogas, moribundos, cracudos, prostitutas, na noite formava sua família de conhecidos, suas conexões de sobrevivência na noite pacata da selva de pedra goiana. 

Quando cansou-se, partiu pela vontade a outros estados e cidades. Acompanhado ou sozinho, precisava ver para crer, nas verdades que se diziam por aí, e registrava toda sua experiência para que aqueles que lessem pudessem acreditar no que via.

A arte passa a ser motivação, motor, alimento. Passa a se dedicar simplesmente à sua produção e muitas vezes é só o que lhe sobra e permanece pelas casas de amigos que o recepcionam por um tempo, para se limpar e acomodar-se. Torna-se peça viva da cidade, transborda sua poesia em lambes e pixos pelas paredes.

Biqueira é fruto dessa época. Diego El Khouri então resolve convidar Rafael Vaz para publicar na Editora um livro de poemas autorais. Dava-se a largada para a realização do que foi sonhado. As poesias haviam se transformado durante esse tempo e o livro então chega com uma ideia já bem pensada e então surge Biqueira, o primeiro livro de poemas autorais de Rafael Vaz.


Biqueira de Rafael Vaz é um livro que pela capa já nos mostra por onde vamos passear por esses poemas. Uma pessoa tem em suas mãos uma latinha, onde está o título do livro. O corpo se prepara para dar seu primeiro trago, assim como nós que abriremos as páginas dessa viagem. Uma imagem muitas vezes censurada e negligenciada por nossos julgamentos. A capa é do próprio autor Rafael Vaz, com a diagramação de Jackson Abacatu e a diagramação do miolo fica por conta de Fabio da Silva Barbosa. Lançado no segundo semestre de 2021 pela Editora Merda na Mão. A apresentação foi feita também por Fabio da Silva Barbosa, que conta-nos como conheceu Rafael Vaz e iniciou essa parceria que além do livro conta com a apresentação do autor no programa de rádio “Aleluia Nunca Mais, A Trilha Sonora do Fim do Mundo” pela Rádio Rota 220.

Algumas imagens de entorpecentes iniciam nossa viagem. O título do livro sempre busca nos levar e falar desse lugar. De passagem e permanência, mas ao mesmo tempo de medo e morte. Biqueira é uma gíria popular para “boca de fumo”, o lugar onde são vendidos os entorpecentes. Os poemas do livro são as drogas que o autor repassa e espera que o leitor chape durante sua leitura. Começamos o livro com a frase “Acordo de manhã, meu despertador é o Sol…”, Rafael Vaz nos localiza na história, o ínicio da sua viagem, este lugar onde todos participam, policiais, moradores de rua, traficantes, crianças, jovens, famílias, rap… Todos tentando ser FREE. A realidade nua e crua é apresentada, não teremos liberdade e o risco sempre estará nos esperando. E o autor não esconde também sua participação neste cenário de guerra. Já nascemos prontos para isso desde criança e caminhamos “chapados” pensando como chegamos aquilo. Artista Visual, aqui Rafael Vaz, não tenta colorir ou pintar de cores coloridas a realidade, tudo é muito cinza e banhado de sangue. Sempre nos revelando algo que sempre é escondido ou maquiado, o poeta acredita que não é só por ele, afinal “carrega outros vinte loucos” consigo. Alguns deles devem ter rasgado o véu da verdade, é o que sobrava quando se tinha apenas uma caneta e um caderno nas mãos. Para o autor é uma questão de sobrevivência, “todos os dias eles nos matam, todo dia nós nascemos”. A vida não para e no dia seguinte continua a luta pela sobrevivência, os poemas não descansam, a luta para comer e permanecer vivos é feita todos os dias, entre as trincheiras criadas pelas relações humanas. Temos também poemas que contam algumas cenas, passadas em Altamira-PA, cidade do autor Rafael Vaz. Histórias dessas duas cidades (Altamira-PA/Goiânia-GO) se misturam para contarem os mundos e as relações pelas quais o autor passou, sempre entregue a esta parte da sociedade que vive à beira e sem eira. Algumas mortes foram necessárias para que o poeta nascesse. "Fazíamos piadas das desgraças.” Percebemos que a Biqueira estava sempre presente no cotidiano do poeta, a busca por entorpecer os sentimentos durante a realidade macabra, e ao mesmo tempo as amizades e amores criados nesses lugares, “causa, destino, coisas sem nexo, que façam sentidos em mim.” O autor é culpado e também culpa os outros, mas busca dentro de si, sua própria delicadeza, ele também sabe que pode agredir. 

Cada poema parece uma ida à Biqueira, uma história retirada desse lugar, do momento desses encontros. Alguns passam muito depressa, outros permanecem para usarem ali mesmo e entre viagens e diálogos, criam laços de amizade e sobrevivência. O autor parece ser um deles, e conhecemos através do poema que leva o título do livro. Biqueira é uma releitura do poema Tabacaria de Fernando Pessoa. Nessa versão vemos a relação do autor com a Biqueira, este lugar perigoso para comunidade, mas que muitas vezes é o único lugar para muitos jovens socializarem e criarem suas cadeias de relações. Nas palafitas de Altamira ou no Centro de Goiânia, o autor mostra que algumas relações podem se repetir, diante da realidade que escancara diante de si. É o maior poema do livro e nos situa novamente no caminho do livro. Voltamos e o poeta nos conta como cria, qual o efeito da poesia em seu ser, “ser artista é sentir o mundo.” É um ser em construção, as drogas levam-o a se conhecer, em entrar num estado de introspecção. Muitas vezes é difícil encarar a si mesmo e então questiona seus poemas e suas ações. 

A vida é um acaso, o autor sempre nos avisa. Se perde e se aventura pelos relacionamentos, e tudo mata, “Todos os poetas. Matam, matam, matam,” mas o gozo é complacente, e ele também goza “é anunciação do poeta”. Sempre tão chapado que os interesses imediatos são as principais vitórias do livro. E enfim, acompanhamos o autor em seu último trago e nos deixa o principal aviso.

“ Os poetas bons estão na boca do povo. Os melhores estão morrendo em suas casas.”


quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

 Contemplo o sol

vejo de novo
aquele sorriso.
Viajo longe
bato no peito
você é meu paraíso.
Não perde tempo
volte logo
você é o que eu preciso.
Riso aberto, falo alto
por você pego o juízo.
Essa
Esperança
de criança
que me cansa.
Esse jeito
tão maroto
que me alivia
e me cede tudo
que é gostoso.
Vida cansa
essa distância
entre eu e a liberdade.
O meu dia sem você
é todo feito
de saudade.

CAROL

 Você vai me dizer que eu não sei cantar. Talvez tudo tenha  que um dia se mostrar. Tua vida se encontrou com a minha, em plena  multidão, v...